BAIXE O ARTIGO

Deus É Fiel A Mim?




Uma tendência do povo evangélico dos tempos hodiernos é tentar empurrar Deus em um pré-moldado. A tentativa é – creio eu – a de se apegar àquilo que em determinado tempo queremos de Deus[1]. Coisa semelhante faz-se na cozinha: se alguém quer um bolo redondo, pega-se uma forma redonda, unta-se a forma e coloca-se a massa nela, que ao ser levada para o forno fornece aquilo que se almejava, um bolo redondo. Se se deseja uma sobremesa de gelatina em forma estrelar, consegue-se essa forma, coloca-se uma proporção de água quente com água fria, adiciona o pó da gelatina, que depois de ser levada ao refrigerador por tempo determinado, obtém-se gelatina em forma de estrela. É isso que em nossos dias os crentes tentam fazer com Deus. Submete-se Deus às necessidades dos homens.

Há uma prática dos evangélicos hoje que revela fielmente essa realidade: o uso exacerbado da frase “Deus é fiel!”. Essa expressão usada exageradamente e em sua grande maioria equivocadamente é fruto do mau entendimento que todos têm do assunto A FIDELIDADE DE DEUS. Em muitos casos ouvem-se os crentes usarem essa expressão que parece servir de vareta mágica para aquilo que se quer conseguir de Deus; nas bocas dos evangélicos ela parece ser um amuleto da sorte que quando usado abre as portas do céu. O mais comum é se ouvir essa frase em conversações sobre provações ou bênçãos recebidas. Geralmente, quando alguém está testemunhando sobre uma nova conquista afirma-se “Deus é fiel! Ele me abençoou”. Ou, em casos diametralmente opostos, quando da existência de alguma tribulação, é quase uma regra ouvir-se dizer “Deus é fiel! Ele me livrará!”. Precisamos nos perguntar: Esta prática está correta? Deus é fiel a que? A quem? Em que sentido Deus é fiel? Fiel porque fizemos algo à Deus a ponto dEle se endividar conosco?

O pano de fundo do uso contínuo e entediante dessa frase é uma disposição interior repugnante a Deus. Alguém que consegue uma nova conquista e diz “Deus é fiel”, ou alguém que necessita de algo é diz “Deus é fiel” como que tentando a Deus, revela um espírito arrogante e egoísta diante do Senhor. Isso porque se imagina, primeiramente, que Deus jamais faz seus servos sofrerem (somente Satanás!); além disso, pensa-se que Deus concede algo ao seu povo em decorrência de sua fidelidade direta e estrita a homens que merecem ser observados por Deus em suas angústias e aflições. Ou seja, de alguma maneira os homens adquiriram méritos a ponto do Senhor tornar-se devedor deles; como Deus é um bom pagador de dívidas, haverá de conceder a benesse que se almeja, e por isso se diz “Deus é fiel!”. Isso é deplorável! Essa prática além de revelar-se orgulhosa e egoísta mostra-se completamente destituída de piedade, pois a adoração verdadeira deve ser prestada a Deus não pelo que concede, mas pelo que é. Não por causa de suas dádivas, mas devido a missão principal do homem ser essa.

Deus de fato é fiel. Ninguém em sã consciência diria o contrário. No Salmo 33 é dito: “Porque a palavra do Senhor é reta, e todo o seu proceder é fiel”. Ele é chamado nas Escrituras de o Deus fiel. Veja-se, por exemplo, Deuteronômio 7. 9: “Saberás, pois, que o SENHOR, teu Deus, é Deus, o Deus fiel, que guarda a aliança e a misericórdia até mil gerações aos que o amam e cumprem os seus mandamentos”. Cristo também é chamado de fiel: “Por isso mesmo, convinha que, em todas as coisas, se tornasse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote nas coisas referentes a Deus e para fazer propiciação pelos pecados do povo” (Hebreus 2.17).

No entanto, precisamos no perguntar se esses textos apóiam o uso desordenado e equivocado dessa expressão. A resposta será um não, pois Deus não é fiel a homens, Ele não é fiel a seres humanos, mesmo que sejam seus escolhidos; Deus não é fiel com base nos méritos, necessidades ou vontades dos crentes. Pois bem, a quem Deus é fiel? Deus é fiel a si mesmo, às suas promessas, aos seus desígnios, à sua Palavra. Deus é fiel à sua santidade, e cumpre suas promessas porque do contrário tornar-se-ia mentiroso. É por isso que as Escrituras dizem “Deus não é homem, para que minta; nem filho de homem, para que se arrependa” (Números 23. 19a). É por isso que ele é fiel. Qual é o complemento desse texto supracitado? “Porventura, tendo ele prometido, não o fará? Ou, tendo falado, não o cumprirá?” (Números 23. 19b). Deus é fiel por isso; porque prometeu e não revogará sua promessa, e é somente nesse sentido que se pode usar essa expressão “Deus é fiel!”. Esses textos mostram o fundamento teológico para se crer na fidelidade de Deus como ela realmente é.

Moisés, em deuteronômio, o chama de Deus fiel, porque Ele entrou em aliança com seu povo e não quebrará essa aliança (Deus não tira salvação uma vez graciosamente concedida!). O salmista afirma que todo proceder de Deus é fiel porque o Senhor cumpre com aquilo que desde toda eternidade projetou; ele designa e executa seu desígnio. O autor aos Hebreus chama Cristo de fiel sumo sacerdote porque o papel que Ele mesmo escolheu para Si cumpriu fielmente (cabalmente), tanto se entregando na cruz quanto intercedendo ao lado direito do Pai por aqueles por quem se sacrificou. Perceba-se que nenhum desses textos apóia essa visão reducionista de um assunto tão belamente visto nas Escrituras, como a Fidelidade de Deus[2].

Existem outros textos que nos ajudariam a entender isso mais claramente:
Isaías 25.1 diz “Ó SENHOR, tu és o meu Deus; exaltar-te-ei a ti e louvarei o teu nome, porque tens feito maravilhas e tens executado os teus conselhos antigos, fiéis e verdadeiros” (ênfase minha). O conselho de Deus é fiel, porquanto seu cumprimento é certo e inequívoco. O homem não pode mudar os planos do Criador e nem coopera com o Senhor para efetuação de algum decreto, pois aquilo que Deus designou Ele haverá de cumprir. Aquilo que Deus decretou haverá de acontecer com certeza infalível – Deus é fiel aos seus desígnios.

Em I Coríntios 10. 13 Paulo diz: “Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar” (ênfase minha). Esse Deus fiel que Paulo cita, ele mesmo afirma em Hebreus 13. 5 “Eu não te deixarei e nem te desampararei”. Isso quer dizer que o Yahweh-jireh não deixará que lutemos nossas lutas sozinhos; ou travemos nossas guerras desamparados[3]. Por ele ser a nossa bandeira é Ele quem está à nossa frente em nossas batalhas espirituais – Deus é fiel às suas promessas.

Paulo ainda, escrevendo a Timóteo desta feita, diz: “Se somos infiéis, ele permanece fiel, pois de maneira nenhuma pode negar-se a si mesmo” (II Timóteo 2. 10-13 – ênfases minha). Encontramos nesse texto o axioma fundamental sobre o assunto. Mesmo que sejamos infiéis (e quanto o somos!) Deus continua fiel. Por que? Porque caso seja Ele infiel nega-se a si próprio. Esse texto mostra que a fidelidade de Deus é algo inerente a seu Ser (aqui está a base para admitir a fidelidade de Deus como um atributo Seu, creio eu). Caso um dia o Senhor seja infiel às suas promessas, ou aos seus desígnios, ou à sua Palavra, estará negando a si próprio – Deus é fiel a si próprio, à sua santidade.

Esses textos formam uma base sólida para um entendimento correto sobre a fidelidade de Deus. Nenhum deles fornece algum fundamento para crermos que Deus é fiel a homens, porquanto não merecemos Sua santa fidelidade. Além disso, não se pode colocar Deus em um pré-moldado chamando atenção daquilo que dEle necessitamos, contudo devemos como escravos do Senhor, servi-lo fielmente. Se por um lado não se pode exigir fidelidade de Deus – pois, como observamos, isso lhe é natural – por outro as Escrituras exigem isso de nós: “Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida” (Apocalipse 2.10). Sejamos fiéis sem esperar, nem muito menos exigir a fidelidade de Deus, pois quando o fazemos estamos supondo que existe a possibilidade dEle não o ser.

[1] Essa noção de colocar-se Deus num pré-moldado é amplamente vista em nossos dias. Quando somos injustiçados dizemos “Deus é justiça”; quando queremos “salvar” alguém dizemos “Deus é amor”; quando necessitamos de algo dizemos “Deus é fiel”. Essa prática revela crentes egoístas que tentam colocar Deus em um tubo de ensaio na perspectiva de que com suas experiências consigam o produto desejado.

[2] A noção da fidelidade de Deus em nossos dias é tão desprovida de Bíblia que caso alguém dissesse que nas enfermidades e dificuldades pelas quais passamos Deus continua fiel, caso alguém afirmasse isso seria tido como insano. No entanto o Salmo 119. 75 diz:“Bem sei, ó Senhor, que os teus juízos são justos e que com fidelidade me afligiste” (ênfase minha). Segundo o salmista, as aflições de sua vida não somente eram ocasionadas por Deus, mas também eram fruto da fidelidade de Deus. Deus é fiel quando nos faz passar por dificuldades em dois aspectos: (1) Em decorrência de nosso pecado. Pois de acordo com I Coríntios 5. 3-5 e 11. 30-32 Deus em alguns casos disciplina seus filhos com juízo devido à sua vida caracterizada pelo pecado. Na teologia, chamamos isso de julgamento contra a pecaminosidade do crente. Nesse caso Deus é fiel a sua vontade preceptiva (sua lei – que quando quebrada promove aflição – ver Levítico 26 e Deuteronômio 28). (2) Em decorrência de seu santo decreto. Deus incluiu nossas tribulações e aflições em seu decreto eterno. Deus faz uso das dificuldades para santificar seu povo (isto está evidente em Romanos 5. 1-4 e em Tiago 1.2-4), e quando designou que determinado servo sofreria, incluiu isso em seu decreto e isso acontece quando da execução desse santo desígnio.

[3] É por isso que o próprio Paulo afirma “Em tudo somos atribulados, porém não angustiados; perplexos, porém não desanimados; perseguidos, porém não desamparados; abatidos, porém não destruídos” em II Coríntios 4. 8, 9. Por mais que lutemos e travemos guerras, temos o Senhor do Exércitos que é o nosso estandarte e que luta as guerras em nosso lugar.

(Texto extraído: Blog Aliança Reformada)


MKRdezign

Tecnologia do Blogger.
Javascript DisablePlease Enable Javascript To See All Widget