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Ato Profético: Um Retrocesso na Fé





O argumento que geralmente os neopentecostais utilizam para estear a prática dos atos proféticos na igreja, é que o Senhor, no Antigo Testamento, ordenou aos profetas que transmitissem suas mensagens ao povo através de objetos ou encenações enternecedoras.

Deus, por exemplo, ordenou ao profeta Isaías que andasse desnudo e descalço por três anos, simbolizando a punição divina sobre o Egito e a Etiópia (Isaías 20:3-4). O Senhor também determinou que Jeremias prendesse uma canga de boi sobre o pescoço com cordas de couro, símbolo do cativeiro de Israel (Jeremias 22:2…). E também solicitou ao profeta que comprasse um cinto de linho e o escondesse às margens do rio Eufrates, até que apodrecesse, simbolizando a deportação futura dos judeus para a Babilônia. Deus ordenou, ainda, que Jeremias comprasse uma botija de barro e quebrasse diante do povo, como símbolo do juízo de Deus sobre o mesmo, através do cativeiro babilônico (19:1-11). Há outros exemplos de atos proféticos no Antigo Testamento que poderiam ser mencionados, como no ministério de Elias e Eliseu; mas acredito que estes três são o bastante.

No Novo Testamento, contudo, existe apenas um exemplo de alguém comunicando a mensagem de Deus por meio de um ato profético – Ágabo. Ele pegou o cinto de Paulo e o amarrou em seus próprios pés e mãos, como símbolo da prisão do apóstolo, que aconteceria algum tempo depois (Atos 21:10-11).

Entretanto, os neopentecostais, obstinadamente, na tentativa de encontrar uma prova que aquiesça o costume dos atos proféticos na igreja, também recorrem à estadia de Paulo em Éfeso, onde empreendeu sua terceira viagem missionária (Atos 19), quando Deus, pelas mãos do apóstolo, fazia milagres extraordinários, a ponto de levarem aos enfermos lenços e aventais do seu uso pessoal, diante dos quais as enfermidades fugiam das suas vítimas, e os espíritos malignos se retiravam (vs. 11-12).

Ora, as roupas de Paulo, bem como outros objetos miraculosos, como o cajado de Moisés (Êxodo 8:5, 16) e o manto de Elias (2 Reis 2:8, 14), eram “ramificações” do poder divino que manifestava-se através de suas vidas, e serviam como evidências de que não eram falsos profetas e que suas mensagens dimanavam do Senhor.

Augustus Nicodemus completa:

O propósito das narrativas acerca do poder que havia neles [nos objetos descritos acima] foi mostrar o extraordinário poder de Deus na vida dos seus possuidores, comprovando que a sua mensagem vinha realmente da parte de Deus. O ponto é que esse poder era tão grande que até as coisas com as quais Moisés e Elias tinham contato diário se tornavam canais através dos quais ele era transmitido. 

No entanto, devemos entender qual o objetivo dessas narrativas. Em todas elas, o conceito é o mesmo: Jesus e os apóstolos eram tão cheios do poder de Deus que as coisas com as quais tinham contato íntimo se tornavam como que em extensões deles, para curar e abençoar as pessoas. O objetivo é idêntico: enfatizar a enormidade do poder de Deus na vida deles e, assim, atestar que a mensagem pregada por eles, bem como pelos profetas do Antigo Testamento, vinha de Deus. A prova eram os poderes miraculosos tão extraordinários que até mesmo vestes, bordões, ossos, saliva, sombra e lenços desses homens transmitiam o poder curador de Deus que neles havia. É dessa maneira que devemos entender o relato de Atos 19 sobre o poder curador dos lenços e aventais de Paulo.1

Justo González expande:

A referência aos lenços e aventais de Paulo forneceram uma oportunidade para que alguns supostos evangelistas fizessem dinheiro com a venda deles e de outros itens que tinha abençoado. Contudo, observe que aqui, o texto não sugere que Paulo distribuiu ou proclamou o poder de seus lenços e aventais, mas, antes, que as pessoas os pegavam sem o conhecimento do apóstolo. Não é, como alguns declaram hoje, que Paulo abençoou lenços para que pudessem ser realizados milagres por intermédio destes.2

John Stott aconselha:

A atitude mais sábia perante os milagres dos lenços não é a dos céticos, que os declaram espúrios; nem a dos imitadores, que tentam copiá-los, como aqueles evangelistas que oferecem aos doentes lenços abençoados por eles, mas sim, a dos estudiosos da Bíblia, que lembram que Paulo via seus milagres como credenciais apostólicas, e que Jesus mesmo foi condescendente com a fé tímida da mulher, curando-a quando ela tocou a orla de sua roupa.3 

Todavia, nos cultos neopentecostais, os objetos que são empregados no ato profético geralmente são ungidos e abençoados pelos pastores, transmitindo falsamente a ideia de terem adquirido poderes “mágicos” pela oração, ou de apenas serem um esteio para a fé. Em nenhum dos casos mencionados na Escritura, os objetos utilizados nos atos proféticos foram cerimonialmente consagrados. Portanto, não há na Bíblia a unção de objetos com o propósito de ser empregados na realização de prodígios, para atrair a benção de Deus, ou para expelir demônios e curar doenças.

Não obstante, para entendermos definitiva e corretamente a teologia imbuída nos atos proféticos – vistos mais no Antigo do que no Novo Testamento – é necessário elencarmos 4 observações muito importantes em suas ocorrências.

1) Foram ordenados por Deus a Isaías, Jeremias, Elias e Eliseu, por exemplo, os quais foram encarregados de profetizar contra os pecados do povo, instando-os ao arrependimento, sobre o futuro de Israel e a vinda de Cristo.


2) Estavam ligados à história da redenção; eram registros dos modos de Deus agir na trajetória do seu povo.



3) Eram ilustrações das revelações de Deus aos profetas para o povo. No caso de Ágabo, no Novo Testamento, seu ato profético tratava-se de uma revelação futura sobre a prisão de Paulo, um evento determinado por Deus para o apóstolo escrever a maior parte do Novo Testamento.




Com efeito, a mensagem de todos os atos proféticos, anunciados no passado, se cumpriu literalmente, como enunciaram os servos de Deus.





4) Só aconteciam quando Deus se revelava diretamente (ou verbalmente, através de visões e sonhos) ao profeta e ordenava-o a difundir sua mensagem por meio destas ilustrações. Uma vez que não há mais profetas (como os do Antigo e Novo Testamento) e apóstolos, que eram instrumentos destas revelações infalíveis, também não temos mais os atos proféticos que acompanhavam eventualmente estes modos de Deus se comunicar.




Em Hebreus 1:1-3, percebemos que aquelas formas dramáticas de revelação que Deus utilizava para falar ao seu povo não são mais necessárias, porque agora, nestes últimos dias, o Senhor falou através de Cristo, o redentor, a última e a suprema revelação de Deus.



Isto posto, existem apenas dois atos proféticos que o Senhor Jesus determinou no Novo Testamento que são invariáveis: o batismo com água e a ceia, onde os crentes comem o pão, símbolo do corpo de Jesus, e bebem o vinho, símbolo do sangue de Cristo, a fim de rememorarem a salvação e suas implicações.



Afinal, estes dois atos proféticos retratam nossa união com Cristo. Qualquer iteração de atos proféticos relatados no Antigo Testamento, a fim de comunicar a Palavra de Deus, ou supostas novas revelações, não são ordenados por Jesus nem pelos apóstolos, no Novo Testamento. Por outro lado, fomos incumbidos de pregar o Evangelho com fidelidade e discipular (Mateus 28:19-20; 2 Timóteo 4:2). Destarte, reassumir este modo anacrônico de transmissão da mensagem do Senhor é um retrocesso na fé e um ato de desobediência à Escritura. Os pastores que renitentemente ensinam e induzem à pratica do ato profético incidem em pecado. “Nós, porém, não somos dos que retrocedem e são destruídos, mas dos que creem e são salvos” (Hebreus 10:39).




NOTAS: 


Augustus Nicodemus Lopes, O que você precisa saber sobre Batalha Espiritual, pág 148-149. 


Justo González, Atos, pág 265. 


John Stott, A Mensagem de Atos, pág 344. 



Autor: Leonardo Dâmaso

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